Poesia científica

OK, ok, o Rogério Silva, do blog Freud Explica, realmente detonou meu comentário postado na Roda de Ciência, onde eu dizia (amigavelmente) que um de seus textos postado na Roda não era apropriado nem para um público com pós-doc. Rogério disse que seu texto era equivalente ao poema abaixo, e que tentar explicar textos é como tentar explicar piadas... faz perder toda a graça.

A PALAVRA

A palavra fala,
Sozinha,
acompanhada,
comanda, manda, demanda...
.
Sublinhada
empolga,
inclinada declina.
Clínica, clinica.
Cria idéias,
cria
assunto.
.
Causo.
Causo de vida,
caso de amor,
vida de
festa, sonho perdido.
Vida vazia!
.
É no discurso
da grande fala
que a fala se
cala.
.
Sem nome
e sem corpo.
Silencia na voz,
silencia no afeto,
silencia na
dor.
Aih! como dói!
.
A palavra,
sempre ela
a palavra.
.
Pa-lavra.
.
Larva que queima,
pá que
recolhe, acolhe...
Texto, testículo, prazer;
gozo, ferida, fenda,
fruição.
.
A
palavra,
sozinha, desacompanhada,
comanda, manda, demanda...
Nomeia,
corporifica.
Re-signi-fica.

Ok, a tecla "blockquote" do Blogger versificou o poema de forma diferente do original, podemos dizer que esta foi uma "releitura interpretativa" do Blogger.

Sim, poemas são exemplos concretos de textos pouco traduziveis (tradutíveis?) que permitem uma vasta gama de leituras (além do prazer de sua fruição) sem que isso signifique que sejam propositadamente obscuros ou maliciosos (vender poesia barrenta por poesia profunda). Ou seja, voltando ao assunto original discutido no Roda de Ciência, embora exista uma forma "canônica" (jornalística) de se fazer textos de divulgação científica, que pode ser encontrada nos manuais de estilo da Folha ou do Estadão, haveria espaço para "heresias" textuais, tais como: textos tão obscuros e densos que despertam o interesse do leitor por sua decifração e interpretação pessoal (e portanto múltipla e não consensual) - um exemplo seria alguns textos de Benjamin, já citado na Roda.

Outro exemplo seriam as poesias filosóficas e/ou científicas, para as quais parece que Rogério e João Alexandrino, do Ciência e Idéias, tem vocação: ok, vou postar uns poeminhas meus aqui também se vocês deixarem... Eu colocaria também neste rol de formas alternativas de divulgação científica certas músicas de Caetano, Lenine etc...

Só ainda não entendi o que significam os versos em HTML no poema do Rogério... Minha interpretação pessoal é de que Rogério quis dizer que o HTML é a poesia do futuro, feita nas entrelinhas de nossos textos... Bom, talvez tenha sido apenas um erro de copy and paste... Melhor ainda, talvez tenha sido as duas coisas ao mesmo tempo, o que seria genial. Tudo bem, Rogério, não precisa me explicar.

Para referência:

(En)canto científico: temas de ciência em letras da música popular brasileira

Scientific enchantment: science topics in the lyrics of popular Brazilian music

Ildeu de Castro Moreira(1); Luisa Massarani(2)
(1) Instituto de Física Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Praia do Flamengo 200, 8º andar, Flamengo 22210-030 Rio de Janeiro – RJ – Brasil icmoreira@uol.com.br icmoreira@mct.gov.br
(2) Centro de Estudos, Museu da Vida, Casa de Oswaldo Cruz Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz Av. Brasil 4365, Manguinhos 21040-360 Rio de Janeiro – RJ – Brasil cestudos@coc.fiocruz.br


RESUMO
As relações entre ciência e música são muito profundas e têm suas raízes no próprio surgimento da ciência moderna. A música tem uma base física importante: são os sons afinados pela cultura que a constituem. Por outro lado, ela foi utilizada muitas vezes como metáfora e como inspiração para interpretar o mundo físico, em particular nos modelos cosmológicos. Este artigo explora, de forma preliminar, como surgem e se expressam temas e visões sobre a ciência, a tecnologia e seus impactos na vida moderna nas letras de canções da música popular brasileira. O objetivo primordial do trabalho – que constitui uma análise qualitativa não-exaustiva – é proceder a um mapeamento inicial de como temas de ciência, atividade social imersa em determinado contexto cultural, podem surgir na manifestação das artes populares, neste caso a música brasileira.

Palavras-chave: ciência e música; letras musicais; divulgação científica.

Este é um texto da Roda de Ciência. Comentários devem ser postados aqui.

Comentários

Anônimo disse…
Envio-lhe um poema de meu livro A rua do Padre Inglês, editado pela 7letras (Rio de Janeiro, 2005):
Fractais

Pelo mergulho
das sombras,
calculo
o itinerário da luz.
Meço
os contornos de nossas ruínas
na matemática particular
dos desesperos.
Abro a janela
da página dos sonhos:
soletro, devagar, o Aywu Rapitá:
o ser do ser da palavra
(flor pronunciada
entre as estrelas).

A noite
desba sobre as telhas
na explosão de um meteoro.
Conto estilhaços,
recomponho parábolas:
um mínimo do que sou
lembra as fronteiras
do Universo.

Everardo Norões

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